O Céu Por Testemunha
“Fascinado por imagens e helicópteros, o fotógrafo Cássio Vasconcellos Montou o maior acervo de fotos aéreas do país. Para a Revista Personnalité, ele seleciona aquilo registros especiais de 15 anos de pousos e decolagens”
Repousando sobre o prato, em cima da mesa, um caqui é somente um caqui. Pegue, porém, sua câmera fotográfica, entre num helicóptero, suba a 150 metros de altitude e faça fotos de uma plantação desse mesmo caqui. A fruta vira um pequeníssimo ponto avermelhado que se sobrepõe a um tapete verde, parecendo muito mais um bordado feito por um artista plástico do que algo que é produto do caquizeiro. Esse é o trabalho do fotógrafo paulistano Cássio Vasconcellos, 48 anos, cuja imagem descrita acima, feita em 2008, em Mogi das Cruzes (SP), faz parte de seu recém-lançado livro Aéreas do Brasil. No livro, de 236 páginas, Cássio reuniu 153 imagens aéreas feitas em voos de helicóptero pelo país.
Ele tem 33 anos de carreira, se dedica a esse tipo de fotografia há 18, mas restringiu a seleção da obra aos últimos 15 anos de decolagens e pousos. “Quando fotografo do alto, tenho um ângulo privilegiado”, afirma Vasconcellos, deixando claro que pilotar e clicar ao mesmo tempo são atividades incompatíveis. “Em São Paulo, por exemplo, comecei a voar muito e perceber coisas que eu nem saberia que existem se ficasse circulando apenas pelo chão.” Entre essas coisas, diz ele, estão padrões e marcas da humanidade, como pátios de ônibus usados e até mesmo um depósito de orelhões. As imagens desses lugares, assim como a de contêineres no porto de Paranaguá ou as de escolas de samba de São Paulo desfilando no Carnaval, exercem no leitor o mesmo efeito da plantação de caqui. Ou seja, é preciso observar atentamente para reconhecer em meio ao arranjo geométrico do que se trata. “A precisão, a dedicação intensa e a estética refinada são aspectos que me atraem no trabalho dele”, afirma o belenense Luiz Braga, um dos maiores nomes da fotografia nacional. Para o jornalista e curador Eder Chiodetto, o fotógrafo possui uma produção extensa e conectada com o que ele chamaria de “a aventura do olhar”. “As fotos aéreas se juntam à sua criação pautada pela inquietude nos proporcionando um ponto de vista incomum por meio do qual ele consegue criar traçados harmônicos e inesperados”, diz Eder.
Primeiros Voos
O apreço pela composição e pela geometria sofreu influência do pai, Paulo Vasconcellos, que foi antiquário e marchand com uma predileção pelo abstracionismo geométrico e nomes como Volpi e Amilcar de Castro. “Não fiz faculdade. Aprendi muito com o meu pai”, conta o fotógrafo. “Era comum ele chegar em casa com uma obra linda, pegar o uísque, sentar no sofá e chamar os filhos para falar a respeito”
O gosto por voar e a fascinação por helicópteros também surgiu em casa, por conta de um brinquedo que ganhou na infância, o Vertiplano, um helicóptero que dava voltas em torno de uma base, preso por uma haste, e que podia ter a altura e a velocidade reguladas por um controle. “Eu era alucinado pelo Vertiplano”, diz Vasconcellos. O primeiro voo para valer, num helicóptero de verdade, aconteceu aos 24 anos, quando um amigo de seu pai o convidou para fotografar do alto um terreno em Itu. “Fiquei completamente enlouquecido”, relembra ele. “Queria aprender a pilotar de qualquer jeito”. O brevê, no entanto, veio somente em 1996, aos 30 anos. De lá pra cá, acumulou 122 horas de voo como piloto e mais de 700 horas como fotógrafo das alturas. “O helicóptero é versátil, consigo me deslocar para onde quiser”, diz Vasconcellos, “Dá para subir, descer, parar no ar e achar o ângulo certo. É como se você pudesse colocar a câmera em qualquer lugar.”
A versatilidade do equipamento permitiu que Cássio construísse o maior acervo de imagens aéreas do Brasil. Possibilitou que ele fizesse viagens longas e fotografasse dentro e fora dos limites nacionais. Em uma delas, em 2006, por quatro dias sobrevoou o litoral de Fortaleza até Trancoso. Em outra, partiu da fronteira dos Estados Unidos com o Canadá e chegou em São Paulo após 15 dias de viagem com direito a sobrevoo pelo Caribe. Numa terceira, a mais recente, feita em 2012, voou de São Paulo até o Deserto do Atacama, no norte do Chile. Para cruzar os Andes, o helicóptero chegou a 3.500 metros.
A paixão por helicópteros é tanta que, no escritório do seu apartamento, dezenas de maquetes (de diferentes modelos e tamanhos) adornam as paredes e o ambiente ao lado de sete câmeras Polaroid SX-70. Como se não bastassem as réplicas que habitam o interior da cobertura no 28° andar, do lado de fora o fotógrafo vive cercado por helipontos de prédios vizinhos. “Se fico um tempo sem voar, começo a passar nervoso, minha mulher já sabe. Não troco isso por nada.”
Para fazer uma boa foto aérea, Cássio explica que é preciso seguir os mesmos princípios de uma boa foto convencional: pensar num tema interessante, observar a composição e con tar com uma luz favorável. Em relação ao equipamento fotográfico, a diferença é ter que usar um estabilizador na à câmera para eliminar a vibração exterior. No mais, de prática para se acostumar a um ambiente diferente ter medo de voar sem porta. Sim, para fazer fotos a helicóptero é preciso tirar a porta lateral e confiar segurança. “Quer me ver triste?”, pergunta o fotógrafo, “É só pedir para eu voar num helicóptero com porta”.